Mal era possível ouvir o que o presidente da Câmara falava pelo microfone. A própria releitura da Torre de Babel estava acontecendo em tempos modernos, ou contemporâneos, como queira o leitor. Ninguém entendia absolutamente nada. O motivo de tanto transtorno era a a polêmica medida provisória a ser votada: a lei da diminuição salarial dos parlamentares. Isso mesmo… os próprios parlamentares podiam deliberar com respeito a quantia que, justamente, contemplaria os longos e exaustivos dias de trabalho no plenário.
Doutor Evaristo Bartolomeu da Silveira, médico aposentado e político influente do estado de São Paulo, presidia a sessão. Com o dedo em riste e voz cheia de autoridade, fruto de sua extensa carreira política, pronunciava:
– Caros congressistas, peço-lhes um pouco de respeito quando um de nossos nobres colegas deputados faz uso de sua palavra. Todos os que desejarem, terão oportunidade de manifestar sua opinião, mas por hora, peço que se mantenham em silêncio.
Evaristo, muito embora não fosse unanimidade no Congresso, tinha o respeito de todos ali. Assim que finalizou sua fala, os demais parlamentares foram controlando sua inquietude perante ao tema a ser debatido e posteriormente votado. O orador corrente era o deputado do estado do Ceará, Antônio Vilas Boas, que por sua vez, com os colegas mais solícitos a lhe ouvir, dirigiu-se ao deputado Evaristo e exclamou:
– Obrigado nobre colega Evaristo – Olhou novamente para o plenário lotado e, com o olhar concentrado e firmeza latente, continuou sua oratória.
– Senhores, como estava dizendo, somos os representantes do povo. Nosso salário deve ser compatível com a posição que fomos escolhidos democraticamente a exercer. Diminuir metade do nosso salário nos rebaixará e banalizará o posto de honra que ocupamos nesta casa. Temos não só a opção, mas o dever de zelar pela imagem e respeito que nossa querida nação tem por nós, congressistas sérios e trabalhadores. Por este motivo suplico-lhes, não sucumbam a esta posição errônea. Votem contra essa medida esdrúxula.
Assim que o deputado Antônio finalizou, instalou-se novamente o falatório. Os parlamentares já estavam debatendo fazia dois dias. Um pouco menos que a metade dos congressistas demonstrava uma inclinação a votar contra a medida, enquanto que o restante permanecia indeciso. Mesmo em meio ao caos, o deputado Baltazar Vieira, autor de toda polêmica, pediu a palavra. Postou-se em frente ao púlpito e iniciou:
– Prezado amigo Vilas Boas, acredite, sou um grande admirador de sua convicta defesa em nome da nossa função. Por outro lado, obrigo-me a discordar de sua linha de pensamento no que diz respeito a nossa remuneração. Somos sim representantes do povo, porém, para continuarmos exercendo-a, não temos necessidade de receber mensalmente quase vinte vezes, ou mais, do que a maioria esmagadora dos trabalhadores do nosso Brasil…
Enquanto o deputado Baltazar continuava seu discurso, dois outros deputados, sentados no final do plenário, alheios a tudo aquilo, entreolharam-se indiferentes. Logo em seguida um deles olhou novamente para frente e disse:
– Onde vamos parar? Desse modo, logo estaremos votando uma medida provisória para aumentar os salários dos professores do ensino público. Que absurdo!
Autor: Armindo Guerra Jr.