Afundo os pés na areia fria, e antes que a onda mais próxima os aprofunde ainda mais, cruzo os dedos das mãos. Não executo reza alguma, no entanto. Neste gesto intenciono o mergulho na vastidão do oceano. E a cada braçada sinto que posso me distanciar da sociedade frívola e que gosta de pentear seus cabelos em frente ao espelho.
Distancio-me do que não é vida. Para que possa ter tudo o que é vida. Remo; remo muito; e a água inicialmente gelada torna-se morna aos membros de meu corpo. Meu corpo já é como o semblante túrgido do mar, que não sente medo de ser violento como as ondas das tempestades, ou calmo como as marolas que permitem ouvir as asas dos pássaros.
Quando percebido-me remoto da costa, mergulho profundamente na abissal fossa oceânica. E calo-me, como se me tivessem costurado a boca com cordas de aço. Eu, que sempre falo tanto, e para tudo tenho algo a dizer e retrucar pela lógica acertada dos homens. Tudo torna-se tão escuro, que claros se ouvem os batimentos do meu coração; e os segredos que escondia no fundo de minh’alma não me afogam, mas são um peso que mais faz querer descer mais e mais.
Quase sem oxigênio, vejo a morte sorrindo-me como se fosse o reflexo de meu nascimento, atando-me os extremos da existência; porém, um anúncio de que devo outra vez subir surge, como súbita vertigem de quem enlouquece. Porque em mim há o arado destruidor e fraco de Franz Kafka, e o gérmen construtivo e forte de Ernest Hemingway: preciso revelar as feridas do meu coração, pelo oceano pressurizado, aos homens de superfície.
Lentamente eu subo. Calado. Como um profissional mergulhador de apneia. E aos poucos desfaço as costuras de linha de aço de meus lábios. Já à beira da praia, minhas pegadas desenham estas palavras, que aqui vos escrevo, na areia. Meu erro foi retornar, ciente disso sou; porque dos oceanos, como vida intensa, eu vim!
Autor: Lucas Vinícius da Rosa