Sobre a ignorância miserável e a ignorância preguiçosa

Ignorant

Nenhum indivíduo deve ser culpado pelas condições em que nasce. As circunstâncias pelas quais vem à luz lhe são externas, incontroláveis até que se cubra, como um véu a verdadeira face, sua natureza humana pela ordem civil. A igualdade pela qual anseia a lei Ocidental, no entanto, não remove uma desigualdade histórica quanto ao conhecimento humano, tanto quanto a sede do ser pelo esclarecimento mínimo sobre si próprio. E aqui ressalve-se: jamais chame o desigual de igual!

Eis então diferentes indivíduos mesmo entre a classe dos néscios ou estúpidos, os ignorantes. Ignorância está longe de ser uma bênção divina. Sequer utopia desejável. Não cabe, absolutamente, argumento de que os que não veem a verdade, ao menos, dançam no belo ritmo da mentira. O desconhecimento passível, que arrebata a ousadia da razão, tem atropelado o passo da humanidade, pelo motivo óbvio que faz tropeçar cada um de seus membros em seus próprios cérebros.

Desse modo, diferenciemos aqui a ignorância em duas categorias (talvez caibam inúmeras outras sub-classificações e outros sistemas — embora atenha-me resumidamente a uma dupla): a ignorância miserável e a ignorância preguiçosa.

O indivíduo pertencente à primeira ignorância, da miséria, sequer se sabe ou se reconhece como ignorante. Isso pela sua própria falta de discernimento de sua relação com o mundo lhe tolher as possibilidades de identificar-se como mísero, paupérrimo e, por fim, ignorante. Portanto, é-lhe impossível mesmo sonhar; porque não lhe há as ferramentas para construção do conhecimento; as premissas básicas, as asas para que alce voo, são tão furadas que, caso tente voar, irá fracassar como Ícaro, no mito grego, sendo sequer capaz de compreender o motivo da queda.

Aos filiados à segunda classe, à ignorância preguiçosa, cansa-se discorrê-los, sendo portanto indispensável esclarecer prontamente sobre eles, para que se contenha esse virulento gérmen propagado por muitas culturas apodrecidas, mas como o podre ainda forma adubo, ainda assim faz brotar.

Ao ignorante preguiçoso, em geral, dispõe-se o ferramental para que saia de sua ínfima condição. E normalmente, ao longo de sua vida, ecoam de diversas fontes advertências para pegue os utensílios em suas mãos, os tateie, verifique seu uso, questione os manuais antigos com os quais lhe ensinaram. No entanto, sendo a preguiça, diferentemente do ócio criativo, o extermínio lento e confortável da própria transformação, a ignorância se instala e progride como se a existência humana fosse um longo caminho imutável e Jean-Paul Sarte um pateta, ao ter afirmado que a existência precede a essência. Diga-se, portanto, que a essência do ignorante preguiçoso é como uma gelatina que passou da validade, e endureceu por ter sido esquecida da geladeira; este coala-humano, espécie tristemente longe da extinção, avistado nas cidades e nos campos, piamente acredita que foi nascido, educado e irá perdurar até o fim de seus dias do mesmo jeito.

Sendo fantásticas as capacidades humanas, ao primeiro tipo de ignorância existe chance de recuperação. Análoga à uma criança sub-nutrida que, se bem alimentada, com vitaminas e sais mineiras, e educada com bons livros desprovidos de parcialidade histórica, humanizando-a ao invés de encaixotá-la ou enquadrá-la num diploma de bordas douradas, certamente desenvolverá braços que acalçam seus sonhos — houve a distrofia de seus membros, sobretudo de seus valores de mundo.

Quanto ao segundo gênero, compare-se-lhe ao esterco da vaca, que se reproduz e defeca num pasto vastamente até que cesse sua ração. O que fazer a esse respeito? Ora, que se abata o animal, para fornecer a alimentação ao que está em fuga da condição da ignorância mísera; e o esterco que se o queime, para espantar os mosquitos.

Autor:  Lucas Vinícius da Rosa