Passaram por mim duas dúzias de camelos. Vinte e três deles ostentavam suas alcovas, como se únicos fossem em meio ao deserto. Em seguida, percebendo aquele “camelo negro” dentre os outros, para ele, vi que aquela água não era tão esperada como pelos outros. Pelo contrário. Aos poucos, com olhos esbugalhados de desprezo, começaram a afastar-lhe do grupo. Horas depois, não havia mais ninguém ao seu lado. Teria ele sido perdido de propósito?
Passaram por mim uma lebre branquíssima e um seguidor sombrio. Saltitavam eles copiosamente, como tipicamente fazem tais animais. Algo ou alguém correu-lhes atrás. Não soube distinguir, tamanha velocidade do caçador e ainda maior da caça. Permaneci pensativo; corridas de sobrevivência biológica são intrigantes; não à toa tenhamos lhes levado ao patamar do pão e circo; estive hoje mesmo sob esta tenda, molhando o pão no sangue e o vermelho no branco.
Passaram pelas minhas vistas outros seres, e outras situações. Constatei finalmente os choques das gerações. E a indignação no olhar em ver uma decadente mudança. Em seguida vi um amor ser reinventado, e arritmias repensaram o compasso de seus corações, como se os infartos pudessem ser vencidos pela satisfação sádica em se bater o órgão por emoções frias.
Encham-se os copos de cerveja. Esvaziem-se os espíritos. Encham-se os vazios do que nunca pude preencher, neste intervalo, se possível. Amem os solitários, coletivamente. E sintam-se só apenas os que nunca amaram. Morram as vidas já póstumas. Acordem os que esqueceram-se de acordar. Minha filosofia é curta, muito breve. Eis a reflexão sobre a faixa de pedestres: por que não atravessei a rua, se era para lhe encontrar? E por que o erro está tão listrado, a ponto de se colocar como uma faixa intransponível. Se um abraço dista uma mãe de um filho, e um dizer arremata o amante do objeto amado, seria esta vivência ingênua uma trama de travessias? Então por que os aleijados? Ou por que os inocentes?
Autor: Lucas Vinícius da Rosa