As noites em geral são sombrias. Reservam em seu seio o leite mais negro do universo. Algumas vezes sinalizam solidão — como se observa pela baba, que escorre, do canto da boca, do porteiro na sua cancela noturna, tão sonolento a ponto de nem o portão, sua responsabilidade, abrir –, outras marcam a vontade juvenil em se distrair, esquecer que um dia irá alcançar o mundo pintado pelos que vieram antes, os mais velhos. Nesta escuridão toda, ela se destacava pela sua tez muito alva, de uma brancura leitosa, cegante — mas não como em Ensaio Sobre a Cegueira –, Saramago teria mudado profundamente sua obra, se a tivesse visto: ganharia um Nobel escrevendo — Ensaio Sobre Seus Olhos –, e assinaria os autógrafos inevitáveis, orgulhosos, em braile. Prosseguindo, era um espanto branquíssimo de alegria. Dançava, sapateava; sempre sincronizada ao compasso dos sorrisos. Marota, via oportunidade em cada segundo de ludibriar o tempo. Linda assopradora de ampulhetas; falava assoprando para triunfar sobre os tempos. Os cabelos castanhos, sob a luz da lua que já não emitia raios nervosos de luz, tornavam-se tão lúcidos, claros, que se ajuntados numa palma de mão formavam o prisma da felicidade suprema. As noites sombrias perante ela eram dias. E os dias, no calendário exposto neste excerto, já não necessitavam de velas a iluminarem inutilmente o que já é claro. Este ser estrangulava o coração, do jeito mais positivo dos estrangulamentos.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa