Bem-vindo à prosa poética do condenado. O último urro, gritado do alto da masmorra; lá, ao me recusar a trabalhar os ofícios que me propuseram, fui profissional apenas no berro cujo alfabeto escorria sangue. Mas não sangue abundante; fui econômico até nisso. Afinal, Eu controlo minha morte; não permitiria que me fizessem hemorragias terminais.
Nesta mesma masmorra, estive cumprindo pena com dezenas de outros esqueletos. Demasiado humanos muitos deles, por sinal. Exceto pela fraqueza que parecia corroer o cálcio, mais de uns que de outros. Eis que por isso fizeram hierarquia até naquela prisão. Ora, ainda estes mendigos sustentam suas classes e seus antagonismos de classes, o que não admira refutarem o comunismo.
Tive que fazer uma insurreição, sozinho. A abundância de companheiros logo se dissolveu, assim que descrevi meus termos que libertariam a alma. Foram diretrizes traçadas desde a Bastilha à Guantanamo. É que, de modo a entender de fato a liberdade, confinei-me em várias prisões. E, como já constatado, terminei nesta masmorra, em cujo topo me assento e escrevo neste instante.
Sinto-me contraditório, no entanto. Os oficiais da masmorra sacrificam, de tempos em tempos, alguns detentos. Sem familiaridade alguma para com eles, ainda assim choro uma lágrima por cada um. Pressuponho que tenha relação com a fraternidade de espécie. A cada homem que assassinam, levam um pouco da minha humanidade.
Um dia fez sol, lá no topo do morro. Nesse mesmo dia, chegou uma correspondência fortuita, a qual havia requerido fazia tempo. Acho que isso foi quando caiu Constantinopla. Ou seja, com a queda do império romando do Oriente, pensei, “se impérios caem, são tão frágeis quanto nós aqui na masmorra”. Caímos constantemente; como caíra a cabeça de Constantino. Depois, no reerguemos, trocando o nome da cidade onde nos ajoealháramos. Quanto ao conteúdo da carta, trazia orientações de onde encontrar cicuta. Quem a assinava era Sócrates.
Fui atrás do tal veneno, que com dificuldade encontrei. Guardei-o com cuidado. Ele seria oportuno quando me conduzissem à câmara de gás, escondida atrás de um galpão à Oeste da masmorra. Lá, à oeste, diziam haver ouro e oportunidades. Assim enganavam os detentos. Mas não a mim. Durante à marcha indigna para à morte, eu mesmo seria digno de salvar minha própia vida me envenando.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa