Notei, mesmo perdido na contagem das folhas à minha frente, o tom melódico de sua voz, ao passo que falava de seus filhos. E pensei como nunca sentiria aquela doçura materna. Aquele sentimento parecia se resguardar em algo compreensível mais ao ventre que ao cérebro, e não era alcançável nem mesmo pela minha pretensa poesia. Mas o momento era tão simples, por que então sensível?; ocasião ordinária do dia, que não deveria causar furor no espírito.
O ar condicionado do lugar dava a frieza que demandava a situação. Simplesmente imprimir as folhas, contá-las, pagar e ir embora. Porém, por um descuido, que da minha parte chamo-lhe espontaneidade, pomo-nos a conversar como se tivesse sido nosso intuito original estar ali: uma mulher e um rapaz, que nunca se viram na vida, estarem um ao outro prestando o serviço de compararem suas vidas.
Logo percebi que compartilhava coisas sem saber que as tinha; como abrir um guarda-roupas e, surpreso, encontrar uma peça que não se parece sua, mas se ajusta perfeitamente ao seu corpo, e está em seu cômodo, podendo, portanto, tão só ser sua; e talvez a ela tenha ocorrido o mesmo; ainda que não se possa garantir nem isso, nem que lhe tenha percebido.
Ao nos despedir, perguntei-me, em silêncio moribundo, se eu me portara como cliente ou passageiro na existência que não pedi permissão para estar; eu tão só precisava de um serviço, e logo me pus em outra vida; então percebi que disso poderia, talvez, extrair uma visão aproximada do viria a ser a maternidade: criar sem permissão, no outro, a vida.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa