Havia beleza no fim de tarde. O crepúsculo do sol irradiava os últimos belos traços de luz. Aquecidos por esses raios, na esquina de um pequeno mercado, próximo a minha casa, eu e mais três amigos bebíamos; celebrávamos qualquer coisa, como um gol bem feito no jogo de futebol, que acontecera horas antes, ou, agradecidamente, o fato de estarmos em uma sexta-feira de temperatura aprazível.
Entre uma rodada e outra de cerveja, trocávamos gargalhas diversas, ecoando o riso da juventude que não conhece ainda a si mesma. Satirizávamo-nos plenamente. Nossas aparências. Comportamentos. E valores.
Porém, de súbito, as risadas embriagadas cessaram. Um primo do interior de um dos meus amigos adentrou a roda, recém-chegado à cidade. Percebi o efeito do álcool suspendido nas demais pessoas, tão horripilante era a feição daquele jovem, a mim desconhecido.
Seu rosto não era verdadeiramente uma face. Sua fisionomia monstruosa assustava em um primeiro momento. Depois, causava determinado asco. Um de seus olhos não apontava para frente, em direção retilínea. O outro, em seu interior, exibia vasos sanguíneos anafados, prestes a explodir. Nesta descrição perturbadora, sua boca, apenas um risco, posicionava-se abaixo de um nariz de grande protuberância, torcido muito para a esquerda. Era, honestamente, uma visão infernal.
Segundo esse meu amigo, seu primo sofria de uma patologia congênita que o afetara durante seu desenvolvimento. Por isso seu aspecto estético deplorável. Todos, na roda, estavam cientes das condições do primo distante. No entanto, ainda que previamente informados, ficamos estarrecidos e com discurso mudo.
Uma hora depois, contudo, conversas vieram e foram, trazendo ótimas e belas impressões sobre quem nos acudia a visão. E, particularmente a mim, afogaram-me em uma profunda reflexão.
Como o jovem da face contorcida, assim, não belo, meu eu acordava todos os dias. Minhas entranhas eram o rótulo do monstro interno que me habitava. Pelas manhãs, sempre que me olhava no espelho, buscava no reflexo uma imagem que ocultasse outra, mais subjetiva, meu verdadeiro eu. Arrepiava-me a alma lidar com tamanha fealdade; já sentira, antes de ser velho e fundamentado, ódios velhacos e vinganças infundadas em demasia. Desse modo, procurei sempre ignorá-la, a minha aparência interna, cegando meus olhos íntimos.
Terminada a última cerveja, hora em que a noite, com seus cabelos longos iluminados pela lua, debruçara-se sobre nós, percebi-me aliviado. Cedemos cumprimentos uns aos outros. Quando chegou a vez de apertar a mão de meu mais recente colega, estendi o braço como nunca fizera antes. Saudei o jovem, que não era mais horripilante. Antes disso, entretanto, saudei, pela primeira vez em uma vida de feiura obscura – repressora da luz das virtudes –, a beleza que lutava para sair do meu coração: meu mais novo eu.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa