A campainha da casa tocou, e ressoou, duas vezes seguidas. Como era já algo tarde, o céu não brilhava muito, a mulher fez questão de certificar-se antes. Foi até à porta e, muito encostada a ela, inclinou-se em frente ao olho mágico. Olhou. Não havia ninguém. Estranhou tal fato, porém não tanto. Era comum, afinal, as crianças do bairro fugirem de suas casas, formarem-se em bando, e saírem por aí apertando as campainhas alheias. Sabiam elas, talvez, que donas de casa sem filhos talvez fossem abrir a porta, assustadas com o horário e com a situação. A porta, contudo, seria aberta. Independente de ser uma brincadeira infantil, ou um próprio infante deitado num cesto de roupas, que é como se inicia dramaticamente este conto, que é breve; e não menos profundo.
Ela resolveu abrir a porta. Nem sinal das crianças que esperava encontrar. Voltou seu olhar para baixo, e se surpreendeu. Um cesto de vime, cujas amarras eram muito frouxas, e ditavam uma estrutura de improviso nos nós, guardava um ser humano. Uma criança de não mais que alguns meses chorava copiosamente. Mas o fazia em volume tão baixo, que só se notava seu ruído se colocados os ouvidos no coração da triste criança.
Abaixou-se, mas receosa. Não sabia se era sonho ou realidade. Ora essa, que tipo de animal materno abandonaria seu filho em uma porta? E aquém deste fato, ela questionava-se porque havia sido escolhida a sua porta. Secretamente, quando chorava sozinha em seus cantos escuros da casa, e se lembrava do aborto espontâneo que tivera anos antes — o sangue que escorrera ainda era muito vivo em sua memória –, ela repetia em voz baixa seu desejo de um filho. Será que em algum lugar escutaram esses seus anseios? Anjos devem ter deixado o céu por um instante, e ignorado suas asas para andar descalços na terra. Quando faziam isso, decerto escutaram as angústia da mulher, e trataram de trazê-la o que sua placenta incapaz não poderia.
Assim que se aproximou mais, a criança cessou seu choro. Era como se as lágrimas recém-nascidas não tivessem força para continuar a descer dos olhos. Reconhecia-se, naquele momento, o despertar incólume do filho que reconhece sua nova mãe. Nova, em verdade, é um erro de se dizer. Aquela criança havia encontrado sua única mãe.
Anos depois, sem que o filho soubesse – já era filho, e sua mãe não desejava informá-lo sobre tê-lo encontrado certo dia à porta de casa –, a mãe trancou-se no quarto. Recordava da cena em que se deparara com seu bem mais precioso. Levou a mão a barriga. Fez movimentos circulares. Como as grávidas praticam tal mímica de modo inconsciente. Antes que pudesse aprofundar-se mais em seu pranto, bateram na porta.
Seu filho dizia que haviam tocada a campainha. Mas que ninguém se achava lá. A mulher estremeceu. Arrepiou seu coração, e pôs-se a pensar que, outra vez, alguém colocara uma criança em seu sopé. Ela chorou, todavia de forma silenciosa. Levantou-se. Andou, impávida, preparada para, se necessário, ser outra vez mãe.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa