Há uma distância justamente necessária que me permite observar, sentir o mundo. Contudo, provém disso a injustiça de também ser o mundo; sentir a mim mesmo tanto quanto ao outro. Desse fato, portanto, vem uma vontade dupla: a de vomitar o suco da mediocridade alheia, que é às vezes também meu suco gástrico; e em paralelo a de se encantar com as belíssimas pequenas coisas ao redor, que passam despercebidas, já que somos apáticos seres que sentem.
Vejo na esquina um assalto que ocorre demasiado veloz. Nele, uma mulher tem sua bolsa furtada, e um golpe é desferido em sua face. Ela grita, esperneia. O ladrão foge, levando com ele uma bolsa com itens substituíveis. Todos ficam horrorizados, ainda que não façam nada. Quero vomitar, não sei se sobre o ladrão ou sobre os telespectadores.
Noutra esquina, de fronte àquela, no mesmo instante do assalto, duas senhoras de muita idade atravessam a rua. Sorriem brandamente, apegadas pelo abraço uma na outra. E felizes por ter, mesmo com a vida enrugando seu passado, companhia jovial ao lado. Ajudam-se mutuamente a fazer o que agilidade já não lhes permite: caminhar sem mancar, sem arrastar uma perna. No entanto, a cena é bela em medida suficiente para aplacar o vômito, removendo minha ânsia.
Eis estes os verdadeiros céu e inferno, as duas esquinas que se tocam pela fragilidade humana. Mas em julgar, sentimental e frágil, assim a tudo, tanto a mim quanto ao outro, sou injusto em querer escarrar ou sorrir no plenário da vida.
Porém, pergunto-me agora se serei condenado por tudo isso, se no meu julgamento não houver nenhum juiz, já que não há juizes nas esquinas senão nós próprios. Quem seria maluco em se autocondenar?
Autor: Lucas Vinícius da Rosa