Mapa-múndi

Mapa-múndi

Mantenho, ao lado da janela aberta de madeira, já pelo tempo incansável apodrecida em seus cantos, um gigantesco mapa-múndi, apregoado à parede de cor indistinta. Desse modo, sempre que deposito meus olhos na pequena esquina, até onde alcança minha medíocre e falível visão, volto-me para o mapa calado, mas instrutivo deverás como nunca me fora bussola escolar ou cibernética alguma; percorro, na topografia, os continentes de uma Pangeia só, rodeados por uma Pantalassa muito antiga e já separados por movimentos sísmicos independentes da vil vontade humana; civilizações e culturas, cujos sexos nunca irei praticar, afrontar ou recatar-me os costumes em relação a eles; sangues derramados de outras formas, diferentes da grafia pela qual se escreveu até hoje a história, contada pela pena pesada da mão humana. Um segundo à minha frente, ou ao meu lado, já não legível é à mais erudita das educações, portanto, senão apenas pelos alfabetizados nas línguas dos signos do futuro.

Assim, volto a olhar pela janela, descascada em seus cantos — constantemente repintados pelos que repugnam o envelhecimento. E consigo, desta vez, atravessar não pela visão, mas pela minh’alma da qual fujo enquanto desejo profundo ela própria agarrar, os tempos e horizontes, enxergando a imensidão extraordinária: concluindo que um oceano não cabe jamais em um aquário, muito menos um deserto de areia numa ampulheta, como habitou-se a conclamar o homem aos outros homens seus feitos, em suas exibições domésticas e em praça pública; até que um amor se vá embora, alguém padeça, e de tudo se aperceba que importantes eram a agora gigantesca janela e o pequenino mapa.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa