Em me debruçar na janela, ainda na adolescência da noite, constato o término de mais um dia para José e seus funcionários, na lanchonete de comida árabe da esquina. Chovera deverás durante a tarde. Porém, cessados já há muito os pingos d’água, invade o peito uma sensação de frescor orvalhado; ao menos o meu é invadido; não sei se o de José e de seus funcionários também.
Parece haver uma implacável necessidade de repetição na existência humana. Ainda que nem todas as atividades mereçam o louvor de serem repetidas. Os funcionários, como fizeram ontem, e anteontem, fazem agora o empilhamento das cadeiras. A limpeza do balcão. O despejo do último cliente, sempre notável nos instantes finais, mas nunca notado em sua entrada. O olhar para o alto, pensando se irá chover no dia seguinte, como se fizera hoje; e como é frustrante trabalhar em condições climáticas que perturbam o espírito.
José, embora à distância pareça velho, não está tão envelhecido. Não no que se refere a sua capacidade de acordar todos os dias, e gastar mais um tempo de sua vida fazendo as mesmas coisas. Mas assim é a vida. Para mim, para José, para seus funcionários. Eu a escrever minhas frases sem glória, sobre as atitudes ordinárias, eles a escrever a sua vida, para que eu possa, da minha janela, registrar minha perversa e indefinida compreensão.
As portas da lanchonete se fecham. Não se transporta mais pelo vento o cheiro de refeições da Arábia. José se despede dos funcionários, e lhes entrega a comissão do dia. Sozinho, parado ao lado de sua lanchonete, olha para um grande placa, na qual se inscreve o nome de seu empreendimento. Sente-se orgulhoso pelo que ele próprio construiu. Não se dá conta que, no futuro, próximo ou distante, outra placa e outro José assumirão seu lugar.
Ele me nota na janela, em observação. Eu aceno. Ele também, mesmo sem me conhecer. Mas eu, contudo, conheço-lhe: é José, o metafísico da lanchonete árabe da esquina.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa