Assim que desembarcou, em frente à da casa de eventos Nova Vida, Maurício – o mau mau – viu-se solitário. Olhou para frente, em direção a uma grande faixa vermelha, com letras em amarelo. Ela anunciava as atrações sonoras da noite. Que importava isso, pensou ele. Interessava-lhe os sons das pessoas, das conversas, das mulheres.
Não mais que cinco minutos passaram, até que fosse abordado por um substancial grupo de amigos. Eles chegaram saltitando, cambaleando, precipitando-se sobre Maurício. Entre odes e gritos demasiado alegres, logo mau mau e os outros eram uma formação só.
Agrupou-se com o pelotão dos militares boêmios, cujo regimento costumava ser condecorado por honra ao mérito não usual: punham em seu peito uma medalha com duas metades; numa delas a face de Dionísio; noutra, a de Baco; ora essa, verdadeiramente, sendo Dionísio e Baco o mesmo deus alcoólatra, de duas diferentes mitologias, a medalha possuía apenas uma face cravada.
Postar-se um tempo na fachada da Nova Vida era praxe para o grupo. Era tido como prática adequada, uma vez que permitia uma análise do público entrante na casa. Não nos iludamos, no entanto. A análise, regada à cerveja, vodcas e profissionalismo ocular, mantinha foco nas damas, mulheres de beleza perturbadoramente singular.
Entretidos neste processo analítico, que exigia muita atenção de Maurício, assustaram-se. Um pequeno aglomerado de mulheres produzidas, com batons marcantes e perfumes delicadamente ferozes, passou-lhes pelos olhos. Mau mau teve um estalo. Sustou. Depois, muito pouco depois, pôs-se em movimento. Ignorou a conversa que mantinha com um de seus parceiros de farda, e caminhou até a patota feminina; mirou uma delas, em especial.
— Ei, me devolve! – disse mau mau, com convicção. Nisso, a mulher encarou-lhe muito espantada, com olhos de susto. Ela trajava, tal qual uma segunda pele, um vestido vermelho, da cor da faixa da entrada. Porém, diferentemente desta, não havia itens em amarelo; fulgurava apenas o vermelho, do coração ao vestido.
— Que? Tá maluco? – ela retrucou, dando um passo para trás.
— Não. Não estou maluco. Só quero o que me pertence. E sei que foi você quem pegou.
— Peguei o quê?! – Mau mau fez uma pausa deverás sistemática. Proclamou, em seguida, sem alterar um triz do seu semblante.
— Ora essa, meu coração.
— Huh? Mas que cantada mais fajuta.
— Fajuta? Eu estou falando sério. Quero ele de volta. – e bateu no peito, produzindo determinado som. – Meu peito está oco. Veja só. – deu mais duas batidas. – Preciso dele, do coração, agora me devolve.
— Já disse, homem maluco…
— Maurício. Mas pode me chamar de mau mau.
— Enfim, não me importa seu nome. Importa que eu já disse que não estou com o seu coração. Por quê você não vai embora?
— Vou embora se você provar que não está com ele. Aposto que ele está aí. – balbuciou, apontando com o dedo indicador a bolsa da mulher que, desejando livrar-se de um corajoso intrometido, abriu-a.
— Tá vendo?!
Neste instante, sorrateiro, acometido por um ímpeto inexplicável, Maurício reduziu dois passos de distância, em relação a mulher sem nome, que prosseguiu sua demonstração.
— Viu! Seu coração não está aqui… – e, zap, ela teve seus lábios estalados pelos de mau mau. Fora um beijo de poucos segundos. Dado isso, esticados os segundos, transformando-os em minutos, diz-se que este beijo foi profundo e duradouro. Talvez apenas profundo, não importa.
Os braços de Maurício tentaram envolver-lhe pela cintura, em vão. Ela se esquivou rapidamente, empurrando, com as duas mãos, o vazio peito do atrevido. Não houve, neste momento, retruques. Um abriu sorriso triunfal, a outra recolheu-se para com suas amigas, e entrou na Vida Nova.
Duas horas depois, uma vez dentro da casa de eventos, os militares, militantes, da noite ocupavam folgadamente seu espaço. Bebiam. Dançavam. Flertavam com as que passavam, entre os brindes e a dança, quando não faziam, sabe-se lá como, os dois ao mesmo tempo.
De repente, como a clarear muito a visão de Maurício, a ladra de corações surgiu. Seu olhar cruzou-se com o de mau mau. Ela moveu os lábios, em sinal de sútil desprezo. Bastou isso, e o jovem aproximou-se. Quis retratar-se. Afinal, não fora de muito bom tom ser piegas e ousado com a moça.
— Oi. Acho que, por minha culpa, talvez não tenhamos nos conhecido da melhor forma. – ela apenas levantou os ombros, em concordância. – Qual seu nome, a propósito? Gosto de saber para quem peço desculpas.
— Marcela.
— Posso oferecer uma dança para reparar o dano causado? – ela fitou mau mau, no início com desconfiança, todavia, ao final do pensamento, já confiava o suficiente. Ele hasteou o braço direito. Ela, o esquerdo. Bailaram, nos termos de uma amena reconciliação.
Um minuto passou-se sem que uma palavra fosse dita. Duraria a mudez mais tempo, não fosse mau mau o atrevimento em pessoa.
— Forcei a barra com a lance do coração, não é?
— Sim! – ela disse-lhe, ao pé do ouvido.
— Tá, então por que você não me devolve? – a mulher interrompeu o passo. Não compreendeu aquele esfarrapado pedido de retratação. Dizia estar arrependido, depois retrucava o mesmo erro.
— De novo essa sua história do coração…
— Não! – mau mau bramiu. Levantou o dedo indicador e, com cuidado, encostou-o na boca de Marcela, em sinal de silêncio. – Por que não me devolve o beijo que roubei de você? – ela se paralisou. Fechou os olhos. Beijaram-se, agora sim, muito profunda e duradouramente, coisa que devolveu ao peito de mau mau seu coração. Ingênua ladra Marcela.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa