As palavras são a única coisa sobre a qual detenho as rédeas. Depois de um tempo de envolvimento com as formas palavreadas, fiz escritas limitadas pela infinitude da criatividade. A gramática se apresenta como ferramenta, decididamente. Eis que a utilização da ferramenta, quando bem orquestrada, causa arrepios estarrecedores, somente aliviados pelo extravaso através da pena. Quando arrepiado, sinto-me em terreno instável, em casa. Sou acometido pelo terremoto do meu próprio encéfalo, que traz à tona, sob 7 graus na escala Richter, minha visão colérica sobre o mundo e seus personagens; inserimo-nos neste grande teatro que chamamos vida, em que a representação, sem a relação, é pura apresentação. Apresento-me, portanto: sou escritor de enciclopédia de esquina, afinal em cada esquina repousa uma encruzilhada. Mas qual o porquê de todo esse devaneio em prol das palavras? Bem, estou contraído pelo padecimento dos apaixonados. É como se eu tivesse descoberto uma paixão depois de outra paixão, mais envelhecida. Escrevendo sobre tudo o que posso, no alcance da minha percepção em face ao filme da vida, sou e me percebo novo, nunca rebobinado (segure essa geração Y!). Sou membro da Academia de Letras do planeta Terra. Nessas andanças mentais pelos cinco continentes, tive a oportunidade de conhecer pueris fidalgos e nobres mendigos. Observei culturas díspares, distintas. Houve também aquelas semelhantes a nós, influenciados ocidentais, como, por exemplo, o seio da civilização romana na altura da Itália; ocorreu-me o quanto próximos são nossos direitos e noções de justiça dos compatriotas filhos de Júlio César. Escrevendo, fundei um terceiro triunvirato. Porém, notei que nesta fundação havia a infeliz existência do corpo de senadores. Senadores mataram Júlio César. Melhor não confiar muito neles. Para falar a verdade, neste instante, nem mesmo o romance de Cleópatra e Marco Antônio me impedirá de trocar de assunto. Passemos a descrição de uma situação inusitada: lá na Acrópole, parte elitizada da cidade, Júlio César desfere um olhar perturbado para o general Marco Antônio, que corteja Cleópatra, oferecendo uma exótica serpente das índias; a rainha do Egito sorri; de repente, começa uma terremoto, intensamente assinalado como 7 graus na escala Richter (obviamente, à época do fenômeno não havia ainda medidores de tremor de terra, licença poética, vai); saindo de uma encruzilhada, que dá entrada à Acrópole, um escritor de enciclopédias adentra a cena; a trama toda, que se ressalte, desenvolve-se sobre solo mexido por terremoto; o escritor grita para Júlio César: “Ei patrício safado, tem um bando de senadores querendo seu pescoço. Eles empunham facas na mão e ódio nos olhos.”; Marco Antônio e Cleópatra cessam o cortejo mútuo, descuidando-se da serpente; o escritor de enciclopédias foge, largando uma enciclopédia no chão; e Júlio César, conforme manda a história, é apunhalado pelos velhinhos velhacos do Senado. Fim de estória. Como eu disse, as palavras são a única coisa sobre a qual detenho as rédeas.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa