Àquela altura da noite, em que a embriaguez me tomava o organismo, não poderia absolutamente deixar de me espantar. Sua beleza era lúcida, precisa e natural. Conversava, apoiado ao capô de um carro, com alguns amigos às gargalhadas. Inerte no discurso sem nexo em que nos inseríamos, apenas quando nos esbarramos pelos ombros, sem querer, notamos um ao outro.
Ah! Houve neste instante o roubo da atenção das estrelas pelos seus olhos. Afundavam-se candidamente em seu rosto, como dois belíssimos astros de tonalidade castanha. Lembro-me de sentir o peito palpitar, como se estivesse em uma súbita corrida; mas na verdade permanecia ali, estagnado pelo seu perfume capaz de atravessar as horas e os dias.
Cumprimentamo-nos. Logo meus ouvidos tornaram-se surdos para meus camaradas, e se eriçaram em direção à sua voz. Ela nada disse, em princípio. Fez algo mais grandioso que isso — sorriu-me. Desejei profundamente, naquele segundo, congelá-la em uma pintura traçada pelos dedos de Velásquez, e em seguida emoldurá-la em minha memória.
Seu corpo voluptuoso, instigante, delicadamente sensual era a estátua mais bela esculpida naquela noite. Constatei que Kant, para quem a beleza está no que se aprecia sem o interesse, era um patife nesta matéria. Afinal, eu estava sedutoramente interessado pelos seus traços e igualmente pela sua personalidade.
Conversamos mudos por um tempo. Dizem que o termômetro para saber se uma pessoa lhe é íntima é este: sentir-se maravilhosamente satisfeito mesmo que nenhuma das partes diga algo. Beijava-lhe com os olhos, e minha boca portanto dela se ocupava; como poderia eu me pronunciar sobre o que ambos silenciosamente já sabiam?
Autor: Lucas Vinícius da Rosa