Dupla sacanagem

Malditas setenta e duas horas. Esse era o prazo máximo, determinado pela comunidade médica, para que o remédio tivesse sua eficácia garantida. Hora desgraçada em que aquela camisinha foi estourar. Trinta minutos de prazer traduziam-se, naquele instante, em trinta horas de agonia. Eu era incapaz de pensar. Quer dizer, não racionalizava sobre outra coisa senão a burrada cometida no fim de semana. Julguei estritamente necessário ir à farmácia o quanto antes.

O ambiente tinha ar farmacêutico. Metade do estabelecimento, no entanto, era preenchida não por medicamentos, porém recheada de itens de conveniência; noutra parte do lugar, lá no fundo, posicionados em frente a vitrine de remédios, achavam-se três atendentes. Sem sorrisos, e com muita pressa em atender a uma demanda transbordante de clientes, o trio de funcionários revezava no processo de “cata remédio, entrega remédio”. Às vezes, gritavam de uma ponta para outra, solicitando a caixa do medicamento tal, para o cliente tal. Jeito estranho de se atender, pensei.

Dirigi-me até a região traseira da farmácia. Entrei na fila. Esperei. Alguns minutos depois, assumindo a posição primeira de atendimento, refleti.

“Muito bem, agora só preciso falar o nome do remédio. Pronto. Simples assim.”

Uma moça, cujo crachá fixado ao jaleco branco indicava chamar-se Angelina, finalmente me atendeu. Atendeu-me entre aspas. Na realidade, ficou ali, com uma cara pálida de final de expediente, como a esperar que eu fizesse uma pergunta. Manifestei-me.

“Olá, gostaria de um levonorgestrel, por favor”, disse-lhe.
“Levonor…o quê?”

Como assim ela não sabia o que era Levonorgestrel? Ela era uma farmacêutica, não era? Farmacêuticos costumam lembrar de nomes de medicamentos; especialmente os produtos mais vendidos. Levonorgestrel era vulgar, equacionei.

“Levonorgestrel!”, retruquei.

Tão logo reiterei esse nome apático até à língua portuguesa, ela bradou para o homem no balcão ao lado.

“Adamastor?!”

Ora, qual diabos era a necessidade de gritar para alguém que estava ao seu lado? Por conseguinte, nada do Adamastor responder.

“Adamastor?! Dadá!”, berrou a mulher. Dessa vez, Adamastor, o Dadá, voltou-se à dócil farmacêutica.
“Pois não, Gegé!”, falou Dadá.
“A gente tem Levonorgestrel no estoque?!”

Eu, quieto, rebatendo com todas as forças os gritos ricocheteados, indignava-me mais e mais a cada segundo transcorrido.

“Que estoque o quê, Gegé! Isso aí é a pílula do dia seguinte! Tá logo ali, atrás de você!”, Dadá, ilustrativamente, apontou para Gegé.

Não era possível! Eu havia estudado aquele maldito nome durante significativo tempo. Tudo para, pura e simplesmente, descartar o constrangimento de falar “Pílula do dia seguinte” no meio da farmácia. Farmácia lotada, diga-se de passagem. Enraiveci ainda mais.

“Tá certo moço. Vai custar 21,50 reais.”, falou, enquanto passava por um feixe a laser a caixa do medicamento, a desgraçada pílula do dia seguinte.

Coloquei a mão no bolso. Apanhei minha carteira. Abri-a. Sem uma mísera nota em espécie, fui impelido a utilizar o cartão de crédito. Em consequência disso, peguei o cartão. Estiquei o braço. Quis entregar-lhe a Gegé.

“No crédito, por favor.”
“No crédito não tá passando, moço.”
“No débito, então.”, argh!

Eu tentava me acalmar. Por dentro, porém, eu ardia em chamas. Aquele lugar parecia um Tribunal do Santo Ofício contra as genitálias que não se protegeram. Nunca fora tão difícil comprar uma caixinha com um irrisório comprimido.

Enquanto Angelina fazia seu procedimento, mecânico e automático, de efetivação do pagamento, eu respirava fundo, sem olhar para os lados. Àquela altura, todos na farmácia já sabiam que eu tinha desencapado meu parceiro lá de baixo no final de semana. Trinta minutos de prazer, trinta horas de agonia.

“Moço, no débito também não tá passando.”, e fez uma careta como se o problema não fosse dela. Sua feição, amarela e ainda sem exibir um dente sequer, dizia-me que a culpa era da operadora do cartão. E, então, buscou uma solução. “Jadir!”, gritou para o outro companheiro de trabalho. “Passa essa pílula do dia seguinte do garoto aqui?!”

Ela estava de sacanagem, só podia ser isso.

“Aqui também não tá passando!”, Jadir retrucou de acolá.

Toma lá da cá dos infernos!

“Hum. É moço, infelizmente não tá passando o cartão.”, Gegé soltou as palavras com leve indiferença. Parecia feliz em ter anunciado para a farmácia inteira minha irresponsabilidade e, de quebra, ter-me deixado de mãos abanando. Entretanto, ao que parece em uma tentativa, falsa, de reparação do dano moral a mim causado, Angelina se manisfestou.

“Só um minutinho, moço. Vou ver se o fio aqui em baixo está bem conectado.”

Falsária.

Assim que a petulante atendente se abaixou, dei meia volta. Em passos rápidos, quase correndo, parti em retirada daquela farmácia amaldiçoada. Sem me despedir de Gegé, Dadá e Jadir, sumi do recinto. A gravidez que fosse para o espaço. No outro dia, logo pela manhã, eu recorreria ao posto de saúde do bairro. E quanto ao trio de funcionários beberrões…

“Dadá! Jadir!”, bramiu, ressabiada, Gegé em direção aos seus colegas. E completou. “Vocês viram pra onde foi o garoto da pílula do dia seguinte?!”

Autor: Lucas Vinícius da Rosa