Doce veneno

Sweet_poison_by_DianaCretu

Um doce veneno saliva-me de gota em gota,
Nas manhãs úmidas em que precipita o tempo
A injetar-me no crânio pingos de desespero,
Com os quais fabrico o antídoto da escolha

Em não apodrecer como outro cadáver vivo,
Cujo passatempo faz buscar senão a calma,
Que esta, sim, envenena as raízes da alma,
Acorrentando-a à medrosa fuga dos riscos.

Desejo o fio do corte profundo da carne;
A paixão obscura, o lado fraco do forte;
A dor que bate, a face inversa da morte;
O escárnio que dança no vazio da vontade!

No bolso, navalha alguma comigo carrego,
Porque para afiar-me todos os sentimentos
Necessito tão só esquivar-me do adultério
Em trair-me não sendo indizíveis desejos.

Escondo o coração na ruína da humanidade
E exponho os pulmões aos vis ares urbanos
Contraindo as pestes dos vírus humanos;
Minha tosse a escarrar o pó da sociedade.

Já posso então queimar toda a sabedoria,
Com que encantam-se os espíritos dignos,
O encantamento desencontrei-o nos livros,
Para achá-lo nas transgressões da vida.

Porque há muitos bons e maus no mundo,
E não posso ser a dicotomia da atrofia;
Sendo minha maldade ora minha valentia
Para pisar nos vastos terrenos imundos.

Enterrei nos quintais os ossos do ofício,
Enquanto as profissões entre si brigavam
Para subir ao pódio do melhor exercício,
Dava eu as costas ao que me doutrinavam.

Se sou muito novo para morrer, por ora,
E serei, quando da ruga a última mácula,
Demasiado velho para renascer outrora,
Dispenso a idade e sepulto esta fábula.

Não há nada em mim senão a indefinição,
Já que ser algo pertence aos crédulos;
Nasci para amar e morrer, não para ser!
O que foi ou não foi habita os cemitérios.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa