A noite caía lentamente, enquanto, para muitas pessoas, anunciava o término do expediente. Hora em que, inseridos nesta sociedade estética, uns vestem-se com roupas de ginástica; outros, mais ou menos enganados que aqueles, apenas falam para si próprios, repetidamente, que na semana seguinte iniciarão seus exercícios físicos.
Uma mulher muito bonita descia a rua. Suas calças, de tecido sintético preto, colavam-se ao seu corpo. À medida que caminhava, mais belas, simétricas e atraentes se mostravam suas formas. Enfiados nos ouvidos, tirou deles os fones brancos que estavam plugados ao aparelho reprodutor de músicas. Fizera isso porque terminara de tocar sua playlist, sistematicamente feita para durar uma sessão de malhação.
Ela não sorria, no entanto. Parecia guardar toda a satisfação da endorfina para si. Sabia que era atraente, e que seus exercícios regulares lhe rendiam ainda mais suspiros dos homens. Mas assim sem sorrir, sem mostrar os dentes na rua, escondida em sua beleza, sua arrogância lhe colocava acima das outras pessoas. Assim raciocionava seu ego.
Entrou pelo portão do prédio, situado ao fim da rua na qual antes descia. Nos ombros, como carregava uma toalha de rosto branca, apanhou-na. Limpou um pouco do suor abaixo dos cabelos. E recolocou a toalha ao ombro. Sem notar, entretida neste simples gesto, passou-lhe um rapaz. Vinha na direção contrária, saindo do prédio, e era muito afeiçoado. Forte, possuía as costas arqueadas e largas, as quais consolidavam uma imagem valente.
Dois metros à frente dela, ele sorriu, demonstrando dentes brancos e predadores. Ela ajeitou o cabelo, fazendo a mímica das mulheres que são notadas. Todavia, ainda assim não lhe retribuiu o sorriso. Mantinha em pensamento não ser dessas mulheres fáceis, que não valorizam seu maravilhoso corpo – sobre sua personalidade pouco se saberia, dada sua fuga habitual até dos genuínos elogios, parágrafos acima explicada – e o impacto nos homens que dele provém.
A mulher, tendo passado pelo homem, entrou no prédio. Ela e seu rosto fechado viraram uma esquina, e já em terreno seguro, seu rosto a forçou, e ela cedeu; ou seja, leve e levianamente sorriu. Sentiu prazer nisto: em ser atraída e não revelar interesse; um rei, neste instante, alimentou-se fartamente, e engordou em sua barriga magra, dado que um monarca ela tinha nesta.
Faz-se, porém, necessário dizer que, antes de ter virado a esquina, a mulher cruzou-se com outra. Esta última era estéticamente sua contra-parte. Tinha pneus na barriga, e suas pernas eram grossas ou roliças. Suas bochechas denunciavam estar acima do peso; ainda que não pela sua vontade. Nunca fora gulosa. Por outro lado, jamais fora afortunada pela genética com que nascem as musas. Desta outra mulher, contudo, dizia-se que sua personalidade era cativante, e sua simpatia irradiava aos quatro cantos, tão agradável era sua companhia.
Assim que passaram uma pela outra, uma cumprimentou; a outra, fingindo estar algo tocando em seus fones de ouvido, voltou-os às orelhas, e repudiou a presença alheia. Então virou a esquina. E sorriu em segredo.
Quando a mulher simpática estava quase à porta do prédio, teve um susto. Sobressalto de boa surpresa, no entanto. O homem, cuja tentativa de cortejo fracassara minuto antes, retornava ao prédio. Parecia ter esquecido algo em casa, e caminhava às pressas. A mulher, despreocupada quanto a ajeitar seu cabelo, ou encolher sua barriga, diante do lindo homem que vinha, nada disso o fez. Mas, fortemente atraída pelo que vinha em sua direção, tanto quanto ele o estava pela outra mulher, fez a cortesia de abrir o portão.
— Boa tarde… – e sorriu, desconcertada, corrigindo-se. – Quer dizer, já é boa noite, não é?
O homem olhou-lhe, de baixo até o alto. Quando chegou à altura dos olhos, sequer agradeceu à gentileza. Desviou o rosto e resmungou qualquer coisa, enquanto tratava de murchar o peito. Guardaria seu fôlego, que enche peitorais como poucos galos o conseguem no galinheiro, para outras arrogâncias, ou para algumas mulheres supostamente mais belas. Diz-se desta vida que para cada panela existe correspondente tampa; duro crer que seres humanos são panelas; mas seria absurdo dizer que a primeira mulher e o único homem da trama não têm coração de aço.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa