Lembro-me de ter acordado e sentir-me como se ainda estivesse dormindo. Porque estava tudo muito escuro. Era como se as pálpebras se me pesassem insuportáveis. E não podendo abri-las, não havia a possibilidade de dimensionar o lugar onde me achava. Os ossos pareciam serem atrofiados por correntes. Tal qual num número do grande Harry Houdini, os pés tinham grilhões de chumbo. Os pulsos eram atados até a região dos joelhos; cadeados variados, em seus tamanhos e tipos dispunham-se ao longo das correntes. Era possível que se debatesse, mas os movimentos se mostravam inúteis.
De súbito, ouvi subir o que pensei ser um pano de palco teatral, tendo ao fundo sons de uma plateia pasmada, cujos sussurros me arrepiavam e aparentavam contar com o gozo da minha tragédia. Um alto-falante iniciou uma contagem em altíssimo som.
Era confusa a cena. Aterrorizava-me a ideia de estar cego, acorrentado e, além disso, um tempo que parecia determinar algo como meu fim. Ao passo que o alto-falante ia, com audição fantasmagórica, decrescendo os números, o chumbo pesava-me os ossos, e doía-me a cabeça. Debatia-me como lesa presa em garras de magno tubarão em ataque.
Quando estava já sem forças, e a contagem terminou, percebi que não era o fim que me viera; e as correntes não me prendiam os pés e os pulsos; sequer estava cego! Bastava tão só que cessasse de me debater. Assim tudo passou lentamente a desaparecer. Mesmo o palco calou, um a um, desvanecendo suas faces pálidas e ossudas, os espectadores de poltronas de estofado rasgado e incolor. Quem diria que, naquele dia, o teatro havia sido fechado para manutenção.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa