Seus olhos, antes claros, estavam enegrecidos. Havia um sentimento inicialmente enigmático no olhar; depois, transformara-se, em seu pensamento, na revelação sobre sua condição atual: sentia-se despedaçada. Fizera planos com ele por muito tempo, para muito tempo. Gastara seus sorrisos em momentos projetados no futuro, mas sentia um êxtase intenso nesses instantes.
Porém, tal qual a imprevisibilidade dos acidentes da vida, houve um final. Um fim que causava medo, todavia não mais medo que se continuasse com ele.
Ela foi até o banheiro, trancou a porta (ainda que não houvesse ninguém em casa) e pensou “…canalha, porque me deixou…e será que não vi nada disso antes. Preciso abrir a janela, está abafado aqui dentro. Ah, como o ar me faz bem. Desgraçado. Será que ele tem outra? Está chovendo, sinto os pingos em meu rosto. Mas não chovia quando ele me largou. Pelo contrário, era uma tarde de sol prazerosa: e uma tarde maldita ao mesmo tempo. Disse que o amor havia acabado. Amor acaba? O amor é como a chuva, que cessa e expulsa as nuvens do céu? Será que me tornei como a noite, soturna, misteriosa e cega, que veio logo em seguida? Droga, prefiro ficar abafada, melhor fechar a janela…ah o espelho. Meu reflexo não perturba, mas me perturba não estar mais com ele nesta imagem; escovávamos os dentes juntos (mesmo quando um terminava antes do outro, ainda a presença dum acompanha o outro ali). Será que ainda sinto falta, e não sei? Não quero admitir! O que será que ele está pensando? Ah, estou sufocada outra vez. Amaldiçoo este espelho, não quero me ver. Minha maquiagem está borrada, assim como meu coração. Quero sair daqui. Não de onde estou, mas do meu corpo. Quero outro coração. Não quero outro amor, ou gostaria de apenas me sentir sozinha por um tempo, e depois voltar a tentar amar? Chega disso tudo, seja lá o que for este tudo!”
Feito isso, fechou seus punhos e quebrou o espelho à sua frente, rompendo sua imagem em fragmentos. O sangue que escorreu pelos dedos era vermelho como a amargura de seu momento. As pupilas dilataram. E desejou ser abraçada. Foi até a lavanderia. Pegou um pano. Limpou o sangue em água corrente, na torneira da cozinha, em cujo armário apanhou uma cartela de pílulas. Tomou uma. Depois mudou de ideia, e tomou outra. Queria dormir, e acordar amando apenas a si própria. No entanto, meses depois, o cafajeste havia voltado, o espelho substituído, e a ferida de sua mão se curado, ainda que momentaneamente.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa