A preparação
Antes que o sol ilustrasse seus primeiros raios fulgentes, no dia 15 de Maio de 1510, quatro guerreiros astecas Jaguar encontravam-se reunidos, ao pé da floresta. Posicionavam-se a 150 quilômetros distantes de Tenochtitlán, capital do Império Asteca.
Em um círculo, cumpriam um pré ritual de caça humana. Mascavam, um a um, porções razoáveis de folha de coca. Isso lhes daria força extra em sua missão, cujo objetivo baseava-se em informações recebidas na noite anterior. O filho do imponente líder inca Huayna Capac fora visto por um espião asteca, na floresta, na qual estavam prestes a adentrar.
A caça
Os pés dos guerreiros, à medida que tocavam as folhas no solo, produziam ruído algum. O orvalho que se depositara sobre as folhagens ajudava-os na discrição da investida. Desse modo, em silêncio absoluto, decorreram trinta minutos de perseguição sistemática.
Pareciam escutar à distância os batimentos cardíacos da presa inca. Havia em suas narinas resquícios do sangue que perseguiam. Se bem-sucedidos na captura, seriam ovacionados pelo seu povo, e abençoados pelos deuses, em troca do coração daquele que caçavam.
A captura
Assim que escutaram pernas correndo, os guerreiros separaram-se em dois grupos. Tinham como objetivo cercar sua presa, surpreende-lhe metros adiante. A corrida intensificou-se. Tanto do lado da caça, como dos caçadores.
Conforme um corria mais, os outros quatro também disparavam em velocidade proporcionalmente maior. Árvores eram deixadas para trás em segundos, tornando-se vultos aos olhos dos homens na floresta.
A força hostil aproximava-se cada vez mais do filho de Huayna Capac. Ele ofegava com abundância. Seus pulmões recolhiam mais ar que o normal, temendo pela sua vida. Era ágil e tinha músculos rijos. Contudo, em um descuido infortunado, tropeçou na raiz de uma grande árvore.
Os guerreiros cessaram, por um breve instante. Seus ouvidos foram sensibilizados pelo som do homem caindo na mata. Depois, assim que localizada a presa pela audição, os dois grupos dispararam em alta velocidade, convergindo para o alvo.
Capturaram-no. E, quando o fizeram, emanavam gritos de alegria aos céus.
A luta
Todo homem nasce livre. No entanto, se feito escravo ao nascer, ei-lo revogada a sua própria condição de homem. Eis que, embora tradicionalmente escravagistas, os guerreiros Jaguar não revogariam condição alguma do homem inca, senão furtar-lhe sua vida aos deuses.
Duas horas após a captura, os quatro guerreiros transpassavam os portões de Tenochtitlán, com o inca, à sua frente, e suas mãos atadas por um cipó muito justo. Os cidadãos astecas convulsionavam-se, aplaudindo a aquisição da oferenda sagrada.
Assim que alcançaram o centro da cidade, o inca teve os seus punhos soltos. Em suas mãos, foi-lhe entregue a Tepoztopilli, uma lança de madeira demasiado cortante, com a qual se defenderia em seus instantes finais de vida.
Os quatro Jaguar cercaram-no; empunhavam atentamente suas armas, preparados para o derramamento de sangue. E os olhos da população espectadora fervilhavam, eloquentes; estava ávida por sangue humano.
Atacaram-no um a um. Isso dava-lhe chances justas de proteger sua vida, ainda que em vão. Veio o primeiro. E avançou-lhe. O inca se esquivou do golpe da faca. Outro ataque, este mais certeiro, fez com que dobrasse os joelhos. Porém, logo se levantou. Honraria o povo inca até sua última respiração.
Num vacilo do seu adversário Jaguar, o inca abaixou-se e, com um gancho, socou-o. Em seguida, enfiou-lhe o punhal na jugular, fazendo o sangue jorrar. O asteca caiu. Os outros guerreiros se excitaram. Gritavam aos céus. Batiam no peito. Desejavam sua vez na contenda.
Então partiu o outro Jaguar; padeceu como o primeiro.
Depois um terceiro. Este resistiu mais, e feriu gravemente o inca. O povo rosnava de felicidade, como cães ferozes pertencentes às matilhas mais selvagens. O asteca encarou a população, que o consentiu. Assim, estando o inca em estado lastimável, teve seu peito perfurado por uma faca. A profundidade de incursão da adaga provocou-lhe um último suspiro.
Sangue rubro e densíssimo vertia pelas veias do povo asteca. Naquele 15 de Maio, fazia-se festa em Tenochtitlán.
A coleta do coração
O corpo do inca, posto defunto, foi depositado sobre uma alta cama de pedra, chamada pedra sacrificial. Um sacerdote, com um afiado punhal em sua mão, aproximou-se do filho de Huayna Capac. Sua feição era de agradecimento; talvez de felicidade divina ou suprema.
Olhou para os céus. Depois para a oferenda humana. Com precisão, abriu com o punhal um corte transversal no peito do inca, enfiando-lhe a mão no peito. Puxou-a com força. Num instante, o coração encontrava-se fora da caixa peitoral. E um sangue muito vermelho e viscoso escorria pelas bordas da pedra de sacrifício.
Voltou-se às alturas, mais uma vez. Apanhou o coração do inca, e colocou-o em um vaso bastante grande. Enquanto rezava, intercalando frases e cânticos, atiçou fogo na vasilha. A cada prece resmungada, satisfaziam-se os deuses; e as colheitas astecas eram abençoadas; outra vez, as sementes passariam a germinar, irrigadas pelo sangue do inca sacrificado.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa