Quando finalmente pude me levantar, e acender a luz, uma vez que me encontrava na escuridão, o choro não cessou. Sentei-me em uma dura cadeira, de plástico branco, em frente a uma mesa, de mesma cor. O polietileno maltratava meu corpo, e meus olhos sucumbiam a isso. O pranto ainda vertia. Uma caderno com símbolos desagradáveis punha-se sobre a mesa, em minha frente. Molhei ele inteiro. Classifiquei isso como o estudo desgraçado.
Na parede, a uma altura elevada, havia um quadro de bela moldura, de dourado fosco. A pintura nele contida parecia uma obra de Velásquez. Quatro crianças, de distintas idades, brincavam alegremente entre si e seus brinquedos. Uma delas manipulava duas bonecas; marionetes. As outras três, de idade inferior, buscavam compreender o que a maior fazia. Uma imagem de época, cuja cena no tempo não se perdera. Seu passado era mais feliz que o meu presente.
Enclausurado em quatro paredes, com algemas calçadas por mim mesmo, engoli minha saliva. Paralisei-me por um tempo, prendendo a respiração. Depois, repeti o processo. Encarei algumas letras desempolgantes. Encharquei a folha. Voltei-me à pintura. O quarto, exceto pela mesa e cadeira em que me encontrava, era mais contente que eu.
Atrás da região de estudo, havia outra de conforto: uma cama. Suas dimensões eram vastas em largura e comprimento. Cada vez que minha nuca percebia-a, virava minha cabeça. Sentia vontade de não mais me sentar, mas deitar. Deitado, minha imaginação seria abraçada pelo veludo da roupa de cama. Desse modo, ultimamente, eu estaria onde sempre quis estar, no meu mundo.
Do lado esquerdo da cama, na mesma cor da cabeceira desta, muito marrom, estava uma escrivaninha, ou criado-mudo, ao passo que nada falava. Desfoquei-me do maldito caderno, e fiquei algumas horas conversando com ele, o móvel mudinho. Fora um monólogo fantástico. Ele ouvia-me amigamente. Entendia meu choro de desabafo, cujas palavras escorriam pela gota de lágrima mais cálida.
A cor da parede, conjuntamente a luz incandescente, era de um rosa demasiado claro. As janelas estavam fechadas, o que contribuía para esse aspecto melancólico. Esqueci-me, por um instante, das descrições, e fui para o próximo exercício da lista de estudo.
Mais dez minutos. Desgraçado caderno que teimava em não se associar ao ambiente do quarto! O cômodo era calmo, mas algo me irava. Eu amava todos os ingredientes do objeto de estudo, porém não a maneira como eles se combinavam. Área de estudo errada, concluí.
Ainda mais à esquerda, um guarda-roupa de três portas colava-se à parede. Marrom, de novo. Tonalidade equivalente à do criado-mudo, não obstante da cabeceira da cama. Em cada porta havia um trinco acinzentado. Assim, com esse pigmento nublado, eles permitiam a abertura daquela grande caixa de madeira. Quis, incontido, tocar os três trincos, e abrir as três portas. Talvez lá estivesse a morada das repostas mais estudadas e corrigidas. Contive-me, no entanto.
Último móvel sem ser descrito, este presente bem ao meu lado: um caixote preto, cuja denominação exata agora me falta, com quatro gavetas marrons. Quanto marrom havia onde eu estava. À semelhança do que ocorrera-me com o guarda-roupas, desejei escancará-lo, gaveta a gaveta. Quem sabe alguma delas trouxesse-me lenço para meu enxugo. Sustei-me, porém.
De repente, quase que numa epifania, tive um súbito entendimento. Não do exercício que resolvia, mas da inconsistência quanto aos objetos do quarto. A mesa e a cadeira eram brancas, e o caderno era branco. Isso estava errado! O branco absorvia a cor de todos os outros itens – marrons, rosas e cinzas –, e guardava o brilho furtado em si próprio, cor egoísta que é.
Assim, naquele quarto, passaram-se horas sem fim, que precipitaram-se no meu estudo incorreto.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa