Os dois amigos se encontraram, não por acaso, moravam ambos próximos um do outro, e principiaram a conversa. Nisso, a luz da lua aumentava seu furor, à medida que descria o sol que antes queimava a lona da lanchonete. Esta se situava na própria esquina em que se dava a conversa.
— Velhinho, como foi seu dia anterior? Eu não lembro de ter te visto depois de uma hora que não me recordo. – E o amigo fez um gesto, simulando a intenção de que o outro repousasse, afinal far-se-á aqui um parágrafo bastante grande.
— Pois bem. Desde que não nos vimos, nesta hora incerta que você citou, tudo aconteceu. Contudo, não como é narrado em filmes estilo “Se Beber Não Case”. Afinal de contas, lembro de tudo. Ou pelo menos o todo que minha memória consegue acessar. – e riram. – Conheci um primo meu de terceiro grau. Tal conhecimento veio pela semalhança de sobrenome, que não era o mesmo, porém nosso apelido era consoante. Diferenças, de certo, que a embriaguez aproxima. Em seguida, depois do primo, topei-me com um garçom velho amigo meu. Há muito não o via. Embora ele estivesse em expediente, tomei por ambos umas boas cervejas. Sorrimos como se o gole fosse dos dois. Além disso, quando fui esvaziar-me a bexiga, escutei de rabo de ouvido uma conversa estranha e corrupta. Um político, patrocinador da formatura da filha, comentava com seu cunhado os manejos de financimaento da próxima campanha. Mesmo bêbado, identifiquei indícios de empresas de fachada, fundos monetários ilícitos, e como saíra muito cara a formatura da sua filha. Naturalmente, tudo isso escondido sob o eufemismo de efusivos abraços falsos e sorrisos oportunos. Prossigamos além do banheiro. Assim que saí do lugar onde uns cantavam, outros mijavam, e tinha até mulher no basculante, voltei-me a loucura da qual antes saíra. Encontrei amigos que nem sabia que existam mais. De repente, num susto, parei e falei para uma mulher que me era familiar, “Ei, você parece a fulana de tal, que por tal e tal motivo não está mais aqui, coisa e tal.”, ela sustou, e disse, “Seu idiota, eu sou a fulana de tal”, senti-me esquisito e depois maravilhado pelos enganos que no final se mostram acertos. Abraçamo-nos e falamos por um instante. Bebi talvez algumas cervejas com ela também. Depois retornei a uma peregrinação sem sentido, ou com rumos errantes. Ah, quase ia me esquecendo. Na semana anterior, dei-me com a cara no fundo de uma piscina. Rachei literalmente a cuca. Algo digno de um adolescente num clube de família, ao meio-dia, lascando o crânio nas profundezas de uma psicina rasa. Enfim, o tal segurança que me enfaixara, na semana passada, encontrei-o neste fim de semana. Conversamos demais. Ele, íntegro em seu regime de trabalho, ocupou-se apenas em rir comigo sobre a cena antepassada, escrota tanto quanto cômica, “Eu, enfaixando sua cabeça”, dizia, “e você preocupado apenas com a provável cicatriz na testa, e seu efeito nas mulheres”. Por conseguinte, após o encontro com o segurança, encontrei uma ex-namorada, com quem há muito não falava. Por consequência do tempo, ou das eventualidade que só Machado de Assis poderia explicar. Conversamos razoavelmente. Mas não muito. Não queria deter-me no passado. Segui no presente. Encontrei depois doze, treze, ou quatorze amigos. Um após o outro. Às vezes, cruzei com eles em pares ou em trios. Em cada ocasião, naturalmente como se percebe pelo teor da minha narração, tomei cervejas. Alguns goles de vodka com suco, também. Eventualmente, se a pessoa pertencia a linhagem familiar do formando, houve whiskey. Há-de se dizer que neste momento eu estava bem feliz. Incansável pelo espírito, embora meu corpo pedisse arrego, fiz amizade com a moça que me servia. Conversamos demais. Descobri que ela era uma mãe casada, em tempos que as mães solteiras se reproduzem em quantidades. Há pouco tempo havia lhe expirado a licença maternidade, e voltara à vida noturna pelo salário. Dizia ela que terminado o turno, eles bebiam nos bastidores. Quase me convoquei para essa cerimônia, não fosse eu ter me dado com um antigo afeto. Beijamo-nos. Isso foi bom, e memorável. Quando estava quase indo embora, — o amigo não dormia pelo parágrafo extenso, a descriçao era empolgante –, entrei em uma van. Estava cheia de mulheres; e alguns namorados, como demandam essas situações de final de festa. Quanto às solteiras, deveria ter bebido algo com elas, não fosse minha garrafa estar já vazia. Dialogamos como se bebessemos, nos entretendo em um papo cordial, até desconexo. Na saída da van, pus-me a falar com o motorista da van. Não é que ele era o marido da garçonete com que antes firmara amizade. Combinamos um cafézinho, e olha que não sou nem chegado em cafeína, qualquer dia desses. Dizia que ele que pessoas simpáticas poderiam frequentar a casa dele. Discurso de marido e mulher, eu acho. Nunca estive casado. Ah, houve também a cena do banheiro, outra que não aquela que já descrevi. Explico-lhe melhor. Lembra da vez que fui urinar, e escutei de soslaio os políticos confabulando? Pois então, na vez seguinte, em que os mesmos candidados estavam lá, porém cheiravam cocaína em uma cabine lacrada, embora suas vozes se propagassem a esmo, encontrei uma nota de dez reais no chão. O que eu fiz, logicamente, foi apanhar a nota, colocá-la em meu bolso, e depois dar de gorjeta à garçonete, esposa do carismático motorista de van. Fui para casa, enfim. Não a minha, inicialmente. Dei uma passadela, algo extremamente rápido, no ponto onde havia pulado na formatura. Lá havia uma casa, e na varanda me sentei. Sozinho, e feliz por ter vivido tanto em algumas horas, sorri. Havia vida em mim. Absorvi-a, secretamente, de todas as pessoas que abracei, ou apenas cumprimentei. Pronto, este foi meu dia anterior.
O amigo olhou-lhe. Sem adicionar mais nada, e contente pela narração, apenas disse:
— Semana que vem eu vou é sair contigo, velhinho.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa